segunda-feira, 12 de agosto de 2013

.:: Rastros ::.


Os passarinhos deixam mensagens
cuneiformes sobre a neve: estive
aqui, estou com fome, preciso
comer. Do lugar em que joguei
sementes eles raspam as cascas
de pinhão e grãos gelados de areia.

Às vezes quando a neve cintila
atrás da janela, põe as árvores
e arbustos em surdina, cobre
o caminho, os gaios batem com seus bicos
na vidraça do meu quarto:
para eles eu sou feita de sementes.

Para os gatos eu sou amante e mãe,
brinquedo e colo, cozinheira e faxineira,
Para os coiotes sou alarme e caçadora.
Para os corvos, vigia, protetora.
Para os gambás, raposas e marmotas
uma sombra passageira, o vento de um instante.

Fui para um homem múmia malvada e vigilante.
Para outro eu era uma irmã que perdoa sempre,
cujas mãos derramavam mel e aloé;
para aquela mulher fui uma tempestade, cujas
ondas violentas ameaçavam seus alicerces; para outra,
um carvalho onde se apoiava sua videira em flor.

Usei os rostos, as máscaras,
de hieroglifos, deuses e demônios,
fantasmas com cara de morcego, ladra e sibila,
amante, perdedora, rosa vermelha e erva inútil,
esses foram os rastros que eu deixei
sobre a crosta branca do tempo.


Marge Piercy

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